terça-feira, 21 de julho de 2015

ANALISANDO A NEGOCIAÇÃO DA GRÉCIA X CREDORES.


 
Tenho acompanhado a questão da crise da Grécia sob o ponto de vista da negociação com alguma curiosidade e de maneira um pouco mais próxima apenas por ter estado no país durante os dias mais turbulentos da crise há algumas semanas.
Não desejo abordar a questão sob o ponto de vista político ou econômico, não são minhas áreas e já há muitos comentando sobre estas áreas.
Minha abordagem será sobre o ponto de vista da negociação em si.
Creio que sob determinados aspectos a negociação que vem sendo realizada pela Grécia X Credores tem bons exemplos sobre o que NÃO deve ser feito em uma negociação. Não especificamente em uma negociação entre países ou entidades governamentais, mas qualquer negociação.
Em princípio é obvio para todos que há problemas na negociação, dado que os resultados obtidos, principalmente pela Grécia, têm sido muito ruins, mas em conversas com amigos tenho percebido que ainda há aqueles que acreditam que os resultados tem sido fruto de um “complô” contra a Grécia ou mesmo que são resultados normais de um governo que se coloca “contra o sistema financeiro internacional”.
Sob meu ponto de vista, o principal causador da situação atual é a inabilidade em formatar e executar uma negociação de maneira adequada e válida.
Assim, para defender minha tese, abordarei apenas os aspectos fundamentais de uma negociação, tais como o planejamento, a definição dos objetivos, o papel do negociador, a credibilidade e a técnica de negociação com instituições financeiras. Farei isto em alguns posts, para que não tenhamos uma leitura muito longa a cada etapa.
Comecemos com o PLANEJAMENTO:
Toda negociação de vulto deve ser planejada. O planejamento é a etapa onde estudamos os elementos fundamentais da negociação, assim como as várias etapas do processo, escolhemos a/s estratégia/s e as alternativas para o sucesso ou não de cada etapa em questão.
Os “elementos fundamentais” são as definições básicas, que devem ser colocadas de maneira muito clara para os negociadores, para que não aconteça de se delinear uma negociação, executar o planejado e chegar ao final com um resultado diferente daquele que era desejado. Esta é a parte mais sensível de todo planejamento, até porque o nível de subjetividade pode ser muito grande em algumas questões.
Um exemplo muito simplório disto seria:
Um sujeito acorda num belo sábado e sai para comprar um carro longamente aguardado. O combinado com a família é que será um carro sedan, com no máximo 3 anos de uso, que pode ser das marcas X, Y ou Z. O valor a ser gasto pode ser de até $50 e se for possível a cor vermelha é desejada.
Ele pode voltar ao final do dia com um carro absolutamente dentro do que foi acordado e tudo estará certo.
Também pode voltar ao final do dia, com um carro dentro de todas as condições, só que novo, ao preço de $55, mas com benéficas condições de pagamento e a perspectiva de se gastar menos com reparos nos próximos anos. Os termos fundamentais foram cumpridos e o compromisso adicional pode ser justificado pelas condições do financiamento ou a economia na manutenção.
Ele NÃO pode voltar para casa com um ônibus, velho, cor marrom, sem condições de uso antes de uma ampla reforma ao custo de adicionais $105. Ou melhor dizendo, poder ele pode, mas a isto não damos o nome de negociação.
Sou casado há 21 anos. Talvez o evento que mais estressou meu casamento tenha sido o dia em que sai de casa para ir à feira comprar verduras e voltei para casa com um excelente Jeep ano 1976 com capota retrátil e rodas gaúchas. Uma verdadeira pechincha que vazava óleo no chão da garagem da casa.
Tivesse eu trazido alface, couve e talvez rúcola, tudo estaria certo. Um Jeep adicional podia até ser que eu conseguisse incluir no pacote, mas algo que vazava óleo no sagrado chão onde os cães pisavam estava fora de qualquer questão.
Isto posto, vamos ao que interessa:
Os gregos estão neste momento negociando mais uma etapa de alongamento e refinanciamento de uma dívida que vem sendo acumulada ao longo de muitos anos. O país era deficitário e sofria com inflação e outros efeitos adversos originários deste déficit mesmo antes de sua entrada na zona do Euro. Ao longo do tempo negociações e renegociações foram sendo feitas de maneira a sempre alongar e prorrogar a dívida, sem que fosse buscada uma solução para o déficit em si.
A Grécia gastou mais do que arrecadou por muito tempo, tanto em questões continuadas, os salários dos servidores públicos dobraram ao longo da última década, a previdência social aposenta os gregos muito cedo para a capacidade de gastos do pais (não vamos aqui discutir se os Gregos se aposentam ou não tão cedo, não é o foco da discussão, mas é inegável que a previdência grega gasta mais do que pode neste momento gastar), assim como em eventos únicos, como foi a Olimpíada de 2004, em grande parte financiada pelos atuais credores.

Ao mesmo tempo o governo grego cobra mal seus impostos. Quando estávamos em Athenas nos contaram sobre uma pesquisa feita pela Receita grega que pediu aos contribuintes que informassem quem possuía piscina em casa. Em Athenas foram declaradas algumas dezenas de piscinas. De posse dos dados o governo de maneira bem simplória fez decolar um helicóptero que contou rapidamente alguns milhares de piscinas. Divulgado o fato, houve uma verdadeira corrida para camuflar piscinas!
O grego é pouco disciplinado, pouco afeito a arrecadação (como todos somos) mas diferentemente do resto dos países em condições similares, o estado é mal equipado para arrecadar.
O resultado é um déficit constante no fechamento das contas, resultado este que tem sido costumeiramente repassado para os credores na forma de aumento do saldo devedor.
Em 25 de janeiro deste ano, foi eleito primeiro ministro Alexis Tsipras, líder do partido Syriza de esquerda. Ele não foi eleito com uma base gigantesca ou maioria relevante. Elegeu-se com 36,3% dos votos.
Tsipras, utilizou como base de sua campanha sua pretensão de negociar com os credores do país "uma nova solução viável, que beneficie todos” que visava acabar com a “austeridade desastrosa” que vinha de acordo com ele prejudicando a vida da Grécia e dos gregos. No dia seguinte à eleição ele anunciou o fim do “ciclo vicioso da austeridade”.
Quase imediatamente após sua eleição ele começa a negociar a rolagem da dívida que entraria em defaut em cinco meses, no dia 30 de junho.
Durante cinco meses ele e seu ministro da economia rejeitaram de forma constante quaisquer ofertas de negociação que não estivessem absolutamente alinhadas com aquilo que eles desejavam. Então tivemos uma longa primeira fase de negociações onde os devedores (Gregos) falaram grosso, rejeitaram ajustes adicionais de contenção de gastos e se colocaram diametralmente opostos aos credores (Troianos para usar a expressão mais clichê).
Gregos e “Troianos” abordaram muitas alternativas, mas nenhuma assumiu o desenho que seria aceito pelos Gregos.
Aqui temos um primeiro e forte indicador sobre a ausência de planejamento. O simples fato de se gastar tanto tempo sem se progredir no sentido de definir o fundamental na negociação é prova de que a negociação em si não havia sido adequadamente planejada.
Com a aproximação do fim do prazo para o fechamento das rolagens, não haviam sido feitos nem o contrato básico assim como não havia sido montado um “boneco” da operação. Ao final de mais uma rodada de operações em 22 de junho, como a data estivesse praticamente vencida o primeiro ministro pede por uma rolagem de dois meses, para que os “detalhes” possam ser acertados.
Os credores não cedem a rolagem e apresentam contrapropostas em 24 e 27 de junho, a cada nova posição restringindo as exigências, mas não cedendo quanto a necessidade de ajustes mais austeros.
Neste ponto temos uma inflexão, uma mudança de rumos que é nossa segunda evidência de que a negociação não se encontrava adequadamente planejada ou sequer planejada.
Alex Tisipras, que até aquele momento mantinha uma firme posição quanto a não ceder a mais exigências de austeridade por parte dos credores rejeita a última proposta dos credores e percebendo que não haveria uma rolagem da dívida da maneira como se encontrava a negociação, decide convocar um plebiscito para o dia 5 de julho. Pouco depois pede aos credores um “empréstimo ponte” para que a Grécia não ficasse inadimplente até a data do plebiscito. O pedido é imediatamente negado. Liderados por Ângela Merkel os países credores entendem a manobra por aquilo que ela era, uma manobra.
Naquele momento Tsipras cometia um erro que se multiplicaria em muitos em poucas horas.
Quando pediu um plebiscito para decidir algo que todos achavam “decidido” ele acaba demonstrando que: Ou não tinha a autorização do povo grego para atuar daquela maneira, ou tinha e estava mais uma vez protelando a negociação.
Especificamente no primeiro caso acima, se realmente havia a necessidade de autorização do povo grego através de consulta popular e ele não havia pedido nos cinco meses e cinco dias anteriores estaríamos a frente de um dos mais graves casos de Governança Corporativa de nossos tempos.
Tsipras tenta esta “cartada” em um momento no qual já não possui reservas para continuar a operar seu próprio sistema bancário. Em dois dias anunciaria que os bancos e bolsa não abririam a partir da segunda feira seguinte.
Todas estas são evidências claras que NÃO havia um planejamento para a negociação como um todo.
Discutindo a questão com amigos, me apresentaram o argumento de que o plano de Tsipras era apresentar uma posição muito agressiva para obter vantagens e quando não fosse mais possível forçar estas vantagens ele cederia para uma posição de “fall back” que mesmo sendo um recuo, ainda assim seria muito vantajosa frente a posição inicial das negociações.
Concordo que isto poderia ter sido uma estratégia, se tivesse assim sido programada, planejada e executada como tal. Neste caso o stress da posição e o “fall back” teriam que ter sido obtidos o quanto antes a partir de janeiro e feitos no máximo em abril ou maio. Nesta data ainda poderia haver reservas para segurar o sistema bancário operando de maneira a demonstrar uma posição para os credores que fosse mais forte que a que foi apresentada.
Resumindo nossa posição: A negociação oferecia diversos cenários possíveis apesar de todos serem limitados, infelizmente foi realizada sem um planejamento adequado, partindo de premissas que não levariam a resultados muito diferentes dos obtidos.
No próximo post a Negociação com instituições financeiras.