Tenho acompanhado a questão da crise da Grécia sob o
ponto de vista da negociação com alguma curiosidade e de maneira um pouco mais
próxima apenas por ter estado no país durante os dias mais turbulentos da crise
há algumas semanas.
Não desejo abordar a questão sob o ponto de vista
político ou econômico, não são minhas áreas e já há muitos comentando sobre
estas áreas.
Minha abordagem será sobre o ponto de vista da
negociação em si.
Creio que sob determinados aspectos a negociação que
vem sendo realizada pela Grécia X Credores tem bons exemplos sobre o que NÃO
deve ser feito em uma negociação. Não especificamente em uma negociação entre
países ou entidades governamentais, mas qualquer negociação.
Em princípio é obvio para todos que há problemas na
negociação, dado que os resultados obtidos, principalmente pela Grécia, têm
sido muito ruins, mas em conversas com amigos tenho percebido que ainda há
aqueles que acreditam que os resultados tem sido fruto de um “complô” contra a
Grécia ou mesmo que são resultados normais de um governo que se coloca “contra
o sistema financeiro internacional”.
Sob meu ponto de vista, o principal causador da
situação atual é a inabilidade em formatar e executar uma negociação de maneira
adequada e válida.
Assim, para defender minha tese, abordarei apenas os
aspectos fundamentais de uma negociação, tais como o planejamento, a definição
dos objetivos, o papel do negociador, a credibilidade e a técnica de negociação
com instituições financeiras. Farei isto em alguns posts, para que não tenhamos
uma leitura muito longa a cada etapa.
Comecemos com o PLANEJAMENTO:
Toda negociação de vulto deve ser planejada. O
planejamento é a etapa onde estudamos os elementos fundamentais da negociação,
assim como as várias etapas do processo, escolhemos a/s estratégia/s e as
alternativas para o sucesso ou não de cada etapa em questão.
Os “elementos fundamentais” são as definições básicas,
que devem ser colocadas de maneira muito clara para os negociadores, para que
não aconteça de se delinear uma negociação, executar o planejado e chegar ao
final com um resultado diferente daquele que era desejado. Esta é a parte mais
sensível de todo planejamento, até porque o nível de subjetividade pode ser
muito grande em algumas questões.
Um exemplo muito simplório disto seria:
Um sujeito acorda num belo sábado e sai para comprar
um carro longamente aguardado. O combinado com a família é que será um carro
sedan, com no máximo 3 anos de uso, que pode ser das marcas X, Y ou Z. O valor
a ser gasto pode ser de até $50 e se for possível a cor vermelha é desejada.
Ele pode voltar ao final do dia com um carro
absolutamente dentro do que foi acordado e tudo estará certo.
Também pode voltar ao final do dia, com um carro
dentro de todas as condições, só que novo, ao preço de $55, mas com benéficas
condições de pagamento e a perspectiva de se gastar menos com reparos nos
próximos anos. Os termos fundamentais foram cumpridos e o compromisso adicional
pode ser justificado pelas condições do financiamento ou a economia na
manutenção.
Ele NÃO pode voltar para casa com um ônibus, velho,
cor marrom, sem condições de uso antes de uma ampla reforma ao custo de
adicionais $105. Ou melhor dizendo, poder ele pode, mas a isto não damos o nome
de negociação.
Sou casado há 21 anos. Talvez o evento que mais
estressou meu casamento tenha sido o dia em que sai de casa para ir à feira
comprar verduras e voltei para casa com um excelente Jeep ano 1976 com capota
retrátil e rodas gaúchas. Uma verdadeira pechincha que vazava óleo no chão da
garagem da casa.
Tivesse eu trazido alface, couve e talvez rúcola, tudo
estaria certo. Um Jeep adicional podia até ser que eu conseguisse incluir no
pacote, mas algo que vazava óleo no sagrado chão onde os cães pisavam estava
fora de qualquer questão.
Isto posto, vamos ao que interessa:
Os gregos estão neste momento negociando mais uma etapa
de alongamento e refinanciamento de uma dívida que vem sendo acumulada ao longo
de muitos anos. O país era deficitário e sofria com inflação e outros efeitos
adversos originários deste déficit mesmo antes de sua entrada na zona do Euro.
Ao longo do tempo negociações e renegociações foram sendo feitas de maneira a
sempre alongar e prorrogar a dívida, sem que fosse buscada uma solução para o
déficit em si.
A Grécia gastou mais do que arrecadou por muito tempo,
tanto em questões continuadas, os salários dos servidores públicos dobraram ao
longo da última década, a previdência social aposenta os gregos muito cedo para
a capacidade de gastos do pais (não vamos aqui discutir se os Gregos se aposentam
ou não tão cedo, não é o foco da discussão, mas é inegável que a previdência
grega gasta mais do que pode neste momento gastar), assim como em eventos
únicos, como foi a Olimpíada de 2004, em grande parte financiada pelos atuais
credores.
Ao mesmo tempo o governo grego cobra mal seus impostos. Quando estávamos em Athenas nos contaram sobre uma pesquisa feita pela Receita grega que pediu aos contribuintes que informassem quem possuía piscina em casa. Em Athenas foram declaradas algumas dezenas de piscinas. De posse dos dados o governo de maneira bem simplória fez decolar um helicóptero que contou rapidamente alguns milhares de piscinas. Divulgado o fato, houve uma verdadeira corrida para camuflar piscinas!
O grego é pouco disciplinado, pouco afeito a arrecadação
(como todos somos) mas diferentemente do resto dos países em condições
similares, o estado é mal equipado para arrecadar.
O resultado é um déficit constante no fechamento das
contas, resultado este que tem sido costumeiramente repassado para os credores
na forma de aumento do saldo devedor.
Em 25 de janeiro deste ano, foi eleito primeiro
ministro Alexis Tsipras, líder do partido Syriza de esquerda. Ele não foi
eleito com uma base gigantesca ou maioria relevante. Elegeu-se com 36,3% dos
votos.
Tsipras, utilizou como base de sua campanha sua
pretensão de negociar com os credores do país "uma nova solução viável,
que beneficie todos” que visava acabar com a “austeridade desastrosa” que vinha
de acordo com ele prejudicando a vida da Grécia e dos gregos. No dia seguinte à
eleição ele anunciou o fim do “ciclo vicioso da austeridade”.
Quase imediatamente após sua eleição ele começa a
negociar a rolagem da dívida que entraria em defaut em cinco meses, no dia 30 de junho.
Durante cinco meses ele e seu ministro da economia
rejeitaram de forma constante quaisquer ofertas de negociação que não
estivessem absolutamente alinhadas com aquilo que eles desejavam. Então tivemos
uma longa primeira fase de negociações onde os devedores (Gregos) falaram
grosso, rejeitaram ajustes adicionais de contenção de gastos e se colocaram
diametralmente opostos aos credores (Troianos para usar a expressão mais
clichê).
Gregos e “Troianos” abordaram muitas alternativas, mas
nenhuma assumiu o desenho que seria aceito pelos Gregos.
Aqui temos um primeiro e forte indicador sobre a
ausência de planejamento. O simples fato de se gastar tanto tempo sem se
progredir no sentido de definir o fundamental na negociação é prova de que a
negociação em si não havia sido adequadamente planejada.
Com a aproximação do fim do prazo para o fechamento
das rolagens, não haviam sido feitos nem o contrato básico assim como não havia
sido montado um “boneco” da operação. Ao final de mais uma rodada de operações
em 22 de junho, como a data estivesse praticamente vencida o primeiro ministro
pede por uma rolagem de dois meses, para que os “detalhes” possam ser
acertados.
Os credores não cedem a rolagem e apresentam contrapropostas
em 24 e 27 de junho, a cada nova posição restringindo as exigências, mas não cedendo
quanto a necessidade de ajustes mais austeros.
Neste ponto temos uma inflexão, uma mudança de rumos
que é nossa segunda evidência de que a negociação não se encontrava
adequadamente planejada ou sequer planejada.
Alex Tisipras, que até aquele momento mantinha uma
firme posição quanto a não ceder a mais exigências de austeridade por parte dos
credores rejeita a última proposta dos credores e percebendo que não haveria
uma rolagem da dívida da maneira como se encontrava a negociação, decide
convocar um plebiscito para o dia 5 de julho. Pouco depois pede aos credores um
“empréstimo ponte” para que a Grécia não ficasse inadimplente até a data do
plebiscito. O pedido é imediatamente negado. Liderados por Ângela Merkel os
países credores entendem a manobra por aquilo que ela era, uma manobra.
Quando pediu um plebiscito para decidir algo que todos
achavam “decidido” ele acaba demonstrando que: Ou não tinha a autorização do
povo grego para atuar daquela maneira, ou tinha e estava mais uma vez
protelando a negociação.
Especificamente no primeiro caso acima, se realmente havia
a necessidade de autorização do povo grego através de consulta popular e ele
não havia pedido nos cinco meses e cinco dias anteriores estaríamos a frente de
um dos mais graves casos de Governança Corporativa de nossos tempos.
Tsipras tenta esta “cartada” em um momento no qual já
não possui reservas para continuar a operar seu próprio sistema bancário. Em dois
dias anunciaria que os bancos e bolsa não abririam a partir da segunda feira
seguinte.
Todas estas são evidências claras que NÃO havia um
planejamento para a negociação como um todo.
Discutindo a questão com amigos, me apresentaram o
argumento de que o plano de Tsipras era apresentar uma posição muito agressiva
para obter vantagens e quando não fosse mais possível forçar estas vantagens
ele cederia para uma posição de “fall
back” que mesmo sendo um recuo, ainda assim seria muito vantajosa frente a
posição inicial das negociações.
Concordo que isto poderia ter sido uma estratégia, se
tivesse assim sido programada, planejada e executada como tal. Neste caso o
stress da posição e o “fall back”
teriam que ter sido obtidos o quanto antes a partir de janeiro e feitos no
máximo em abril ou maio. Nesta data ainda poderia haver reservas para segurar o
sistema bancário operando de maneira a demonstrar uma posição para os credores
que fosse mais forte que a que foi apresentada.
Resumindo nossa posição: A negociação oferecia
diversos cenários possíveis apesar de todos serem limitados, infelizmente foi
realizada sem um planejamento adequado, partindo de premissas que não levariam
a resultados muito diferentes dos obtidos.
No próximo post a Negociação com instituições
financeiras.